sábado, 28 de janeiro de 2012

POETA OU ASCETA




dema

Quem não beijou mulher nua
sob o olhar claro da lua e
correu pelado pra rua,
melhor tornar-se asceta,
pois não serve pra poeta.

Quem jamais saiu da linha,
ou suspirou quando ela vinha,
pois pensou que já a tinha,
antes ser anacoreta,
longe o dote pra poeta.

Quem nunca encontrou o amor
nem viu Deus em cada flor,
jamais sofreu de paixão,
desdenhou da solidão,
se o coração não palpita,
leve a vida de eremita.

Quem não fala com as estrelas,
não tem fome de querê-las,
se afastou do infinito e
nem se abriu para o universo,
nunca foi meio esquisito,
não tem dom pra tecer verso.

Faz-se surdo para o vento,
jamais tem contra-argumento,
se afoga em ondas do mar,
não se expressa pelo olhar,
se a saudade não lhe afeta,
não tem jeito pra poeta.

Quem não mira o azul celeste
ou a secura do agreste,
não conhece a amargura
ou o veludo da ternura,
jamais enfrentou a morte
nem dialogou com a sorte,
pode tentar outra meta,
que não se forma poeta.

Quem não sabe o que é chegada,
ou partida inesperada,
desconhece a boemia,
não viu noite virar dia
ou a cauda de um cometa,
mal sabe onde seu planeta,
se apavora com altura,
ser poeta lhe é loucura.

Quem tem medo do inferno,
ainda que seja inverno,
não pisca ao fazer careta e
mocha o chifre do capeta,
lê mito por encomenda
sem saci em nossa lenda,
melhor partir para Marte,
se não, vá morrer de enfarte.

Quem não nadou no oceano
nem sonhou com sua amada,
jamais sofreu desengano
co’a donzela imaculada,
não pensa na natureza,
não percebe sua beleza,
feche a casa em que habita,
se vista de cenobita.

Quem não teme a montanha
nem a força da procela,
sequer sabe por que apanha,
se é por culpa sua ou dela,
se a lua não lhe é amiga,
jamais cometeu intriga,
nunca gostou de criança,
ser poeta é só esperança.

Quem não chora com a tristeza,
não sorri com a alegria,
nunca viu uma princesa,
nem riqueza onde há pobreza;
a quem não ama a folia
e detesta a oração,
digo, com a maior clareza,
só se presta a ermitão.

Não se enoja com a matança,
não tem fé nem confiança,
vive se entregando ao ócio,
sem fechar qualquer negócio,
nunca recebeu carinho,
não se percebe sozinho,
leia assim esse recado:
ser poeta não é seu fado.

Se não crê que Deus existe
e se pretende trovador,
perde tempo, se insiste,
ou aprenda a cantar o amor.
Inda assim eu aconselho
que se enxergue pelo espelho,
que é melhor virar asceta
quem não pode ser poeta.
...














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