domingo, 17 de janeiro de 2016

Comboio

dema

(Para que não sejam esquecidos os civis que morrem de fome nas cidades sírias sitiadas por tropas governamentais e grupos extremistas.)

Com fome nasci,
nela me tornei,
dela não fugi,
por ela me enterrei.

Vim à luz sitiado,
eis porque não a vi;
quadriênio encurralado:
Al-Qaeda, Daesh,
Al-Assad e aliados.

Não mais que um pedaço de gente,
nunca o fora completamente.
Os olhos esbugalhados,
ninavam-me sons do abdômen,
não sei quantos dias dormi.
Beberiquei leite aguado,
por óbvio contaminado.
Se acaso algum dia comi?
Em pesadelos, talvez:
figo, tâmaras, quibes,
pão com babaganuche
na casquinha de siri.

Como eu, os guris de Kefraya,
os pele e ossos de Fu’ah,
reais transformers tornados
de uns malditos filhos de Alá.

Sonâmbulo acordado, previ
chegar o comboio da ONU,
que de longe, muito de longe,
vinha matar nossa fome.
Vibrei, temi, tremi.

Retenho a visão derradeira,
mamãe estendida na esteira,
nem forças para um afago
com poder do gesto de um mago.
Ei, o comboio, olha lá!!!
Mas eu já do lado de cá.

Se em Madaya nasci,
ainda que sem viver,
também em Madaya morri.
Meu nome faz lembrar Alan,
contudo, é Ali.

http://www.demasilva.com.br/PINEDITOS/COMBOIO.html

Nenhum comentário: